Um Pensativo Cigarro
Na obra Os Maias, Eça de Queirós presenteou-nos com uma expressão icónica que ficou na cabeça de muitos nós: fumando um pensativo cigarro.
É curiosa esta ideia de que podemos exteriorizar as nossas emoções, atribuirmo-las ao que nos rodeia, numa tentativa (quiçá, frutífera) de delas nos desapegarmos.
Ao atribuirmos sentimentos e sensações a objetos inanimados, somos convidados a refletir sobre a complexidade do ser humano, que se prefere desconectar do que realmente sente, atribuíndo toda e qualquer emoção a algo externo, do que se sentar no desconforto que pode ser nos conectarmos com as nossas verdadeiras emoções.
O cigarro pensativo, o livro descontraído, a camisa franzida e preocupada ou a nuvem triste são, tão só, maneiras de nos distanciarmos de como estamos, transferindo este peso todo que é sentir para algo tangível e palpável.
É como estarmos a ver a nossa vida de fora, com os olhos de um narrador heterodiegético que sabe, primeiro que nós, como estamos e em que pensamos. Esta perspetiva de um olhar exterior que nos conhece melhor que ninguém pode ser um pouco desconcertante - mas se nos permitirmos refletir sobre ela tempo suficiente acaba por ser, também, reveladora: mostra-nos a distância que existe entre aquilo que sentimos e aquilo que nos permitimos e admitimos sentir.
É um equilíbrio difícil este de fumar um pensativo cigarro e não deixar que os nossos pensamentos se esvaziem no meio do fumo todo.
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