Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Designing My Dream Life

13 de Novembro, 2024

Os relógios de Dali

No último mês, tive a oportunidade de mergulhar no mundo surrealista criado por Salvador Dali. 

Tudo começou quando ganhei bilhetes para a exposição "Universo Dali", no WOW, em Gaia. Prometiam apresentar uma "visão intimista" da vida do autor, e eu fui sem saber com o que contar (e, sinceramente, a desconfiar um pouco desta intimidade toda que alegadamente seria partilhada com o visitante).

As expectativas eram neutras, e o resultado foi espetacular - apesar de Dali não ser um dos meus pintores de eleição, o museu cumpriu com o que prometeu e tivemos a oportunidade de conhecer o mundo do artista. Tenho de destacar a exposição de fotografias que mostrava o quotidiano do artista e que foi, para mim, o auge da promessa cumprida: tivemos, de facto, uma visão intimista sobre a vida de Dali.

Duas semanas mais tarde, fui visitar a exposição imersiva na Alfândega do Porto. Como já lá tinha visto outras exibições, as expectativas iam altas - e, ainda assim, conseguiram ser ultrapassadas. 

A cereja no topo do bolo foi a experiência de realidade aumentada, com uns óculos que nos permitiam - quase literalmente - entrar no mundo criado e desenhado por Dali.

Para além da apresentação do portefolio de obras do artista, a exposição continuava num piso superior com painéis informativos que complementavam a experiência de visita. Dali era uma personalidade verdadeiramente multifacetada - interessava-se por ciência, cinema, literatura, física e filosofia, e explorava incessantemente a fronteira entre arte e tecnologia.

1.jpg

É impossível falar de Dali sem recordar os seus icónicos relógios derretidos, presentes em várias das suas obras.

A teoria da relatividade de Einstein veio afirmar que para além das 3 dimensões já conhecidas - altura, largura e profundidade - existe uma quarta: o tempo. Estes relógios surgem precisamente para representar esta dimensão. Nas suas palavras, o "relógio macio apresenta-se como uma expressão profética da fluidez do tempo, da indivisibilidade entre o tempo e o espaço".

Esta forma distorcida e deformada de ver o tempo passar representa a forma única que o tempo passa para cada um de nós. Ao olhar para eles e a pensar em tudo o que significam, veio-me à memória uma frase de Saramago que há tempos li:

Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo.

É curioso como sem nunca ter lido essa frase, os relógios de Dali capturam exatamente esta sensação: a ilusão de que conseguimos, de alguma maneira, contornar o tempo que passa, para conseguirmos passar por ele.

Dali vem-nos mostrar, com estes relógios de aparência líquida, que o tempo não é uma linha reta, mas sim uma realidade maleável que se adapta à nossa perceção e experiência. Em vez de apresentar o dia como um ciclo constante de 24 horas, o artista surrealista vem pintar um relógio que faz o tempo passar como reflexo da nossa própria subjetividade - deixando a quem o vê decidir como é que a passagem do tempo é sentida.

Parece-me que há, de facto, momentos que fazem derreter o relógio: momentos que, contra todas as probabilidades, sobrevivem para sempre e ficam a pairar sobre o fluir inexorável do tempo.

M