O Passeio Final
Já de regresso a Lisboa, numa conversa pela baixa com Ega, Carlos mostra o seu lado epicurista dizendo nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança — nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves.
No meio de críticas e saudosismos, Ega perde-se em memórias e quando volta ao presente diz já ser tarde.
Quanto já tudo parece perdido e a vontade é desistir, o vislumbre do elétrico a aproximar-se da estação é o suficiente para reanimar a esperança escondida. Sem dúvida que será preciso algum esforço, mas os dois amigos acreditam que ainda o vão apanhar.
É assim que termina o famoso livro de Eça de Queirós, Os Maias.
A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara.
E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
Há algo de poético nesta corrida pela rua fora atrás do elétrico. Depois de tanta conversa sobre como uma vida sem desejos nem paixões é o melhor caminho a tomar, a lanterna vermelha do americano despoleta em Carlos e Ega uma vontade interior - como se uma luz dentro deles se acendesse, e lhes dissesse que ainda há esperança.
Este famoso passeio final faz-nos relacionar com os personagens desta crónica de costumes, e faz-nos refletir sobre a condição humana e as suas aparentes contradições.
Perante a possibilidade de alcançar algo concreto em movimento, Carlos e Ega começam a correr pela rua impulsionados pela esperança que, afinal, existe.
As páginas finais do romance de Eça vão mais fundo do que as palavras à primeira vista podem parecer, e cada um relaciona-se com elas à sua medida: a corrida desesperada e esperançada pela Rampa de Santos é mais do que o desejo de chegar a horas ao encontro marcado, é o vislumbre da real possibilidade de alcançar algo que outrora parecia fugaz e inatingível.
Esta cena poderosa não só termina a narrativa, como também nos deixa com uma mensagem de alento: o (nosso) elétrico está por aí a chegar e ainda vale a pena correr atrás dele.
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