Não é do sofá que vejo as estrelas
Sou escuteira há 16 anos e acho que posso dizer com muita certeza que a maior lição que aprendi neste movimento foi a combater o conformismo.
O desconforto não é, todos sabemos, assim muito apelativo. É mais seguro e confortável o quente da nossa casa do que o frio da tenda a meio da noite. É mais fácil não nos desafiarmos do que passar o dia a caminhar no meio do monte só com um mapa e uma bússola na mão. É mais simples aquecer comida no micro-ondas do que fazer uma fogueira e aventurarmo-nos na arte da cozinha selvagem.
Perguntam-me se não sei isto. Claro que sim! Mas então porque é que escolho o frio, a caminhada ao sol e sem gps, e a comida meia crua? Porque o crescimento, a aventura e as memórias não vêm da nossa zona de conforto. E nos escuteiros aprendi que do conformismo não vem coisa boa nenhuma.
Há umas semanas fiz uma longa caminhada montanha acima, com uma mochila às costas e uma tenda na mão. Fomos acampar a um sítio tão longínquo da população que nem a estrada dos carros nem a rede do telemóvel lá chegam. Esta aldeia é a materialização da máxima que nos rege, enquanto escuteiros, que diz para levarmos apenas o essencial na mochila. O desapego começou logo aí: como foi apenas uma noite a mochila ia leve, um pijama, uma t-shirt para o dia seguinte, saco-cama, agasalho e uma pequena bolsa de higiene.
O que ninguém nos conta – mas rapidamente descobrimos sozinhos – é que isto do desapego vai muito além dos bens materiais. Tem de haver, também, o desapego emocional. Entramos nas montanhas e os problemas da cidade ficam na cidade. As inquietações, as tarefas por fazer, o stress e o planeamento ao segundo dos dias não têm lugar na mochila.
A mochila tem mesmo de ir quase vazia, para ter espaço para caber tudo o que trazemos de volta: os momentos que rapidamente viram memórias, a (re)conexão connosco e com Deus, a felicidade de perceber que as coisas pequenas valem muito e todas as aprendizagens que, quase sem saber, vamos recolhendo.
Sempre que acordo cedo para um acampamento tenho de combater o pensamento irritante que me diz porque é que aceitamos ir, mesmo? Mas já estou nisto há tempo suficiente para saber que esta pergunta é respondida assim que entro em campo. Quando ponho o lenço ao peito e me sinto uma pessoa capaz, uma pessoa decidida e determinada a enfrentar a preguiça e as (literais) dificuldades do percurso. Quando olho à minha volta e tudo o que vejo é o céu e o verde dos campos (e nesse momento nada mais importa).
Às vezes, algumas pessoas não percebem porque é que escolho sair de casa ao sábado de manhã a saber que vou chegar do fim-de-semana mais cansada do que parti.
A minha resposta para elas é simples: não é do sofá que vou conseguir ver as estrelas.
M