De mãos dadas, às escondidas #6
Crónica anterior da série De mãos dadas - Nem sempre de mãos dadas #5
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Até agora, esta coleção De mãos dadas tem-se focado mais na Religião Católica (por razões de proximidade e conhecimento), mas a verdade é que esta interligação entre religião e arte acontece com diferentes religiões.
Numa ótica semelhante à da Reforma Protestante, existem também outras crenças que mantêm a proibição de representação do divino. Contudo, esta proibição não cortou a necessidade de expressão artística, tornando-se assim curioso perceber de que maneira (menos direta) os povos se referem ao seu Deus.
Foram, então, criadas formas de arte complexas e simbólicas, onde o invisível e o intangível encontrou um modo de ser experimentado, transmitido e sentido.
O Islamismo foi uma destas religiões que proibiu a representação figurativa. Assim, surgiram outras formas de arte, com especial destaque para a caligrafia, a geometria e a arquitetura. Especialmente quando usada para transcrever o Corão, a Caligrafia Islâmica tornou-se uma forma de arte profundamente venerada, que transmitia os ensinamentos de uma maneira visualmente agradável.
Fólio do "Alcorão Azul"
em exposição em Nova Iorque
Fonte da imagem: www.metmuseum.org
Também a construção dos espaços de culto combinava funcionalidade religiosa com um esplendor artístico tamanho a ponto de refletir a grandeza divina. A arquitetura é a forma artística mais expressiva do Islamismo, particularmente as Mesquitas, decoradas com padrões geométricos complexos e repetitivos, refletindo a busca pelo infinito e pelo Divino.
Mesquita de Abu Dhabi, no Dubai
Fonte da imagem: Pinterest
O segundo Mandamento da religião Judaica dita que não haverá outros Deuses além de Yhwh, o que resulta numa proibição de criação artística de imagens para culto. Esta imposição pretende preservar a ideia de que Deus é transcendente, impossibilitando a sua representação numa forma física. Para os judeus, qualquer representação material do divino seria uma limitação à infinitude e omnipresença de Deus.
Assim, tendo em conta esta proibição anicónica, grande parte do esforço artístico judaico foi direcionado para a criação de objetos cerimoniais, os manuscritos iluminados e a decoração das Sinagogas.
Esses objetos e formas de arte, apesar de não representarem diretamente o Divino, foram (e são) concebidos com um profundo simbolismo, elevando a experiência espiritual e fortalecendo a conexão com os textos sagrados e os rituais religiosos.
Os manuscritos iluminados da Torá são trabalhados com cuidado, refletindo a veneração pela Palavra escrita - o próprio ato de transcrever os textos sagrados é, por si só, uma expressão da devoção.
O uso de vitrais e arte decorativa nas Sinagogas pretende a representação da Fé através da luz e da cor, sem comprometer a proibição anicónica. Os vitrais são decorados com padrões geométricos e símbolos como a Estrela de David e a Menorá, embelezando os espaços de oração sem recorrer a figuras humanas ou divinas.
Sinagoga em Londres
Fonte da imagem: Pinterest
É possível observar que em várias tradições religiosas a ausência de imagens não implicou a ausência da arte, apenas potenciou novas formas de simbolizar o divino. Perceber isto leva-nos a entender como a arte transcende as imagens literais, quase como forçando os crentes a serem mais criativos na sua expressão.
Na próxima crónica, regressamos à Religião Católica e percebemos em que ponto na História a Arte rompeu - quase definitivamente - com a Igreja.
M
Bibliografia consultada:
https://www.britannica.com/topic/Islam/Islamic-myth-and-legend