Bem-me-quer, Mal-me-quer
Quem nunca arrancou uma flor do chão e começou a arrancar as pétalas a dizer bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer,... que atire a primeira pedra.
As pessoas alegam que gostam da possibilidade de controlo e que têm a plenitude do livre arbítrio, mas depois agarram-se a diversos mitos e superstições. Vindicam o poder de decisão até à mais pequena escolha e recusam-se a aceitar que o destino cabe aos Deuses do Olimpo, mas continuam a pedir um desejo quando vêem uma estrela cadente, acreditam que a sorte no jogo traz azar no amor e não passam por baixo de nenhuma escada.
Não critico esta atitude nem acuso ninguém de incoerência. Num mundo com tantas consequências e regras de imputabilidade, sabe bem, por vezes, deixar que o acaso decida por nós. Sabe bem acreditar que aquela estrela cadente é o que finalmente nos vai fazer concretizar o nosso maior sonho. Porque claro, é a estrela que cai lá dos céus que vai lutar pelos nossos objetivos, não somos nós que temos de levantar o corpo do sofá.
Se calhar, é mais confortável acreditar que o azar todo que temos tido não é nada menos do que a recolha de tudo o que plantamos, mas sim a consequência fatal do espelho que partimos quando tínhamos 7 anos. E foi mesmo aquele brinde que fizemos com o copo vazio que determinou a semana de imprevistos e contratempos, e não a nossa falta de jeito de lidar com as adversidades da vida.
O melhor de tudo é que atiramos estes mitos para o ar sem nos darmos ao luxo de tentar desvendar a sua origem. Os gatos pretos alegadamente dão azar porque eram associados à bruxaria, e a humanidade teme o que não percebe (e até o que não quer perceber). Os espelhos partidos são mau presságio porque eram associados a produtos caros e raros, pelo que a sua perda implicava um grande abalo financeiro.
Agora, temos a internet que revela todos os truques de magia e lojas IKEA espalhadas pelo mundo que vendem espelhos de todo o tamanho e feitio a preços amigáveis para famílias.
Saramago sabia do que falava quando escreveu:
A vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância que descobri-las não valeria a vida de uma flor.
Se calhar, está na altura de aceitar que vamos mesmo ter de colher o que semeamos, poupar a vida de uma flor e ir ter com aquela pessoa e simplesmente perguntar Bem-me queres?
M