As múltiplas personalidades
A minha "história" preferida sobre os heterónimos de Fernando Pessoa é aquela que conta que um dia o poeta escreveu uma carta a Ofélia (a sua namorada) a dizer que, no próximo encontro, ia ser o Engenheiro Álvaro de Campos que a ia visitar, porque ele estaria ocupado. A melhor parte é que Ofélia alinhou e recebeu o senhor Engenheiro com toda a pompa e circunstância.
Fernando Pessoa tinha inúmeros heterónimos, uns mais conhecidos que outros. (Pessoalmente, o meu favorito é o Mestre, o guardador de rebanhos Alberto Caeiro que encontra na natureza a simplicidade e a beleza da vida). Por questões artísticas, por algum distúrbio de personalidade, ou por outro motivo que agora nem me ocorre, a verdade é que os heterónimos do poeta ficaram conhecidos como as pessoas de Pessoa e cada um ganhou uma vida própria. (Por exemplo, o médico Ricardo Reis até foi trazido ao plano do mundo real por Saramago em O ano da morte de Ricardo Reis.)
Parece-nos estranho, se calhar. Mas, se pensarmos bem, apercebemo-nos que, também nós, somos dotados de múltiplas personalidades (mais ou menos coerentes umas para outras).
Na faculdade, sou a aluna M, no trabalho sou a professora M, sou a amiga M, em casa, a neta e filha M. Como um todo, sou uma só: mas assumo diferentes papéis em diferentes áreas da vida (assumimos todos - não guardo para mim a especialidade da situação).
Idealmente somos iguais independentemente do contexto onde estamos, mas ainda assim não vejo maldade em darmos partes diferentes de nós consoante a personalidade que encaramos a cada momento.
Somos o que somos, mas acredito, também, que somos com quem somos.
M