As coleções que fazemos
Há uns anos deram-me uma coleção de pacotes de açúcar para continuar. Estava organizada em duas grandes capas, por países e por marcas. Durante um tempo, foi giro continuar aquilo, mas entretanto acho que parou de ter tanta piada.
Nunca parei de achar engraçado esta mania de fazer coleções. Postais, ímanes, selos e até globos de neve de sítios nunca visitados.
Desde sempre a Humanidade colecionou coisas. No tempo do neolítico, fazer coleções era uma tarefa importante que garantia a subsistência das espécies. Quando, naquele sítio, já nada mais havia para colecionar, partiam para outra terra à procura de novas coleções de sementes, frutas e vegetais.
Eventualmente, os povos nómadas perceberam que não seria má ideia de todo instalarem-se definitivamente num local e começaram a dedicar-se à agricultura e pecuária. Continuavam a colecionar sementes, furtas e vegetais, é certo - mas davam mais importância e atenção ao ato da plantação, para se certificarem que teriam uma coleta de sucesso. Entretanto começaram a surgir coleções de outros tipos, como a biblioteca de Alexandria, os templos religiosos que guardavam objetos sagrados e prendas oferecidas pelos fiéis, os animais embalsamados, e vários séculos e eras de obras de arte.
Ainda agora, colecionar continua a ser uma das ocupações dos seres humanos. Colecionam-se bens materiais que ocupam o espaço de casa e o tempo livre, como selos, postais ou cromos.
As piores coleções de se ter são aquelas que ocupam demasiado espaço: rancores, dores passadas e angústias acumuladas. Mas há, também, coleções bonitas que se podem fazer: amizades que duram, sorrisos que não se esquecem e listas dos melhores dias que já tivemos.
Nos últimos dias tenho feito uma limpeza profunda ao meu quarto, e apercebi-me de todas as coleções que, sem querer, fiz: pequenas notas, recibos, figurinhas e muita, muita tralha. Todas estas coisas que supostamente guardam memórias e recordam momentos. Muitos deles, sinceramente, que eu já nem me lembrava de ter.
Depois quero espaço, quero menos confusão e mais simplicidade e tenho de escolher o que fica e o que vai. E, de algum modo, parece que deitar estas coleções ao lixo é como mandar embora as recordações que elas têm (e que eu é que devia ter).
Pode parecer que as memórias se materializam em determinados objetos, mas acho que no fundo sabemos bem que as guardamos melhor ainda no coração. E o melhor de tudo é que aí nunca ficamos sem espaço.
M