A propósito do amor
1. Para um tema como o amor, fica difícil arranjar um início para esta crónica. Talvez porque o amor nunca começa num ponto fixo: não conseguimos olhar para trás e marcar o momento exato onde apareceu. Porque o amor começa no meio de silêncios confortáveis e gestos autênticos, e aparece de mansinho, sem darmos por isso. Se calhar é assim que isto deve começar: a falar de como o amor não começa - simplesmente um dia apercebemo-nos que está lá.
2. Cá para mim, a verdadeira fonética do amor é o perdão. É não ter havido um pedido de desculpa e esse perdão ser concedido. (E aqui o que se faz notar não é o amor pelo outro, mas sim o amor ao próprio. Porque, às vezes, amar é perdoar e continuar).
3. Não sei se para ser amor tem de doer, mas já percebi que se dói é porque se ama. Não necessariamente de uma forma trágica ou desesperada, mas porque amar, muitas vezes, é um exercício de entrega e vulnerabilidade - e ser vulnerável consegue doer.
4. Para além do perdão, o amor é ainda presente. E se calhar às vezes achamos que estamos sozinhos, mas a vida convida-nos a fazer um exercício de atenção. Se olharmos bem, vamos ver que, afinal, há imenso amor à nossa volta. Pessoas que se fazem presentes - de uma forma mais ou menos visível. Pessoas que sem nós sabermos e sem nos dizerem, estão ali. Pessoas que sem nos mostrarem mudam os seus planos para estar aqui.
5. Já muitos poetas tentaram definir este sentimento. Já muita tinta foi gasta a tentar eternizar esta bonita sensação. E sempre que se parece ter chegado a uma conclusão, o amor muda, e as palavras encontradas falham. Porque o amor assume muitas formas diferentes, e quando o tentamos definir já encontrou outro modo de se expressar. E se calhar um dia mais tarde vou ler isto e não vou concordar com nada do que escrevi aqui - mas é mesmo assim. Se calhar, o amor é só um estado transitório, um sentimento mutável que se adapta aos tempos e às pessoas, e que se reeinventa a cada experiência.
6. E da mesma maneira que o amor não começa, sinto também que não termina - apenas se transforma. Às vezes transforma-se em saudades, outras vezes em sorrisos e algumas vezes em lágrimas. De uma forma ou outra, aquilo que um dia foi amor continua a existir. Às vezes com mais lembrança, outras vezes finge-se de esquecido. Mas o amor fica - disfarçado, mudado, atento, ou envergonhado. Mas sempre presente.
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