A espiral das coisas más
Sabem aqueles lenços que saem dos bolsos dos palhaços e parece que nunca mais acabam? Acho que com as coisas más também pode acontecer o mesmo: aparece uma, damos-lhe muita importância, (puxamos por ela) e vêm outras tantas atrás.
A maior diferença é que esses lenços, depois de muito puxar, chegam ao fim, enquanto que as coisas más não têm, necessariamente, um remate. (Quer dizer: têm, mas temos de querer que assim o seja.)
Se começamos a procurar por coisas más, rapidamente as vamos descobrir em todo o lado, e até o que não era assim tão mau passa a ser: porque olhamos com olhos que só veem isso. O que podia ser um mero inconveniente assume proporções desastrosas e de repente não só caiu o Carmo, como também caiu a Trindade. As coisas más começam a ser mais notáveis que tudo o resto, e até o que podia ser um brilhante raio de sol é encarado como demasiada luz.
E é no meio disto tudo que começa a espiral das coisas más.
Já sabemos de cor: se nos focarmos nas coisas más elas parece que multiplicam. E quando vemos isto a acontecer na vida real nem dá para alegar desconhecimento. Por algum motivo, insistimos em ficar presos nesta espiral que só tem um destino possível: a vitimização do tudo me corre mal.
Mas então as coisas que correm bem? Aquelas coisas que podem assim nem ser tão especiais mas passam a ser porque passamos a olhar com olhos que procuram isso. As pequenas alegrias do dia-a-dia que facilmente passariam despercebidas se não estivéssemos a tentar encontrá-las tão incessantemente.
Se calhar, podemos fazer um esforço para entrar numa espiral propositada de coisas boas: começamos a focar-nos só nelas, reparamos em tudo de bom que, afinal, também acontece, e invertemos o sentido do ciclone que insiste em puxar-nos para baixo.
É engraçado o que começa a acontecer: o que antes seria comum e mundano, assume um brilho especial que nunca antes tínhamos reparado. Começamos a reparar que é mesmo verdade o que dizem - podemos romantizar as coisas pequenas para descobrir que, afinal, elas não são assim tão pequenas.
E que tal escolher esta espiral?
M