Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Designing My Dream Life

25 de Novembro, 2024

"A livraria mais bonita do mundo"

A livraria mais bonita do mundo - podia ser um título auto-atribuído (como, confesso, inicialmente pensei que era), mas bastou-me uma rápida pesquisa no google para descobrir que a tão famosa Livraria Lello foi eleita, de facto, a livraria mais bonita do mundo pela plataforma mundial '1000 Livrarias'. 

Não visitei - obviamente - todas as livrarias do mundo para comprovar este título de superioridade absoluta (nem sequer visitei uma mão cheia de livrarias), mas do que pude conhecer da Lello, o prémio parece-me bastante merecido.

Há uns dias tive a oportunidade de ir visitar - com direito a guia - a livraria mais famosa da cidade do Porto, e foi uma experiência tão incrível que teve de merecer uma crónica aqui no blog :)

O guia que nos apresentou o espaço falou-nos sobre a influência do estilo neogótico na arquitetura e a vontade da livraria em democratizar, aquando da sua criação, o acesso à literatura e à cultura.

Em 2016, a Livraria sofreu obras de restauro, com o objetivo de revitalizar o espaço, adaptando-o à sua nova realidade como ponto turístico, mas sem nunca comprometer a sua identidade histórica. Esta intervenção devolveu a cor à fachada do edifício, retirando 12 camadas de tinta para descobrir as cores originais que revestiam as paredes. Foi também retirado, para limpeza e renovação, o vitral que ilumina o interior da livraria.

Mal passei pela porta de entrada, fui submersa na atmosfera da livraria que nos convida para um mundo diferente daquele que se vê lá fora. O cheiro, as cores, o quase-silêncio que ali se presencia convida-nos a mergulhar no espaço e a percorrer, com calma, as estantes recheadas de capas bonitas.

 

Há uma clara vontade em manter o equilíbrio entre o encanto histórico e o dinamismo contemporâneo - não só pelo espaço (que mistura pormenores antigos com decorações mais atuais), mas também pela variedade de obras literárias à venda.

Tive ainda a oportunidade de visitar a Sala Gema (latim para pedra preciosa), que certamente faz jus ao seu nome. Foi extraordinário ver os livros de coleção que ali repousam, com especial destaque para uma edição de Romeu e Julieta ilustrada pelo tão conhecido Salvador Dali.

Apesar do espaço ser, agora, um ponto numa lista de locais imperdíveis a visitar na sua viagem ao Porto, a Lello não quer perder a essência de livraria. Este propósito vai além da teoria e da frase bonita, e traduz-se, na prática, na possibilidade de descontar o valor do bilhete de entrada aquando da compra de livros e no cuidado especial e atento que os colaboradores dão a cada leitor, aconselhando-o e partilhando o seu conhecimento pelas obras que enchem as estantes.

Mais do que uma livraria e um ponto turístico, a Lello tem ainda uma vertente editorial, publicando diversas obras primas - nacionais e internacionais - sob a coleção "The Collection". Estas edições são verdadeiras obras de arte - com ilustrações deslumbrantes e capas incrivelmente bonitas. Cada um destes livros parece, mesmo, que carrega um pouco da alma daquele espaço.

Mais do que uma livraria, a Lello revelou-se uma verdadeira experiência. E eu tive a sorte de a poder ver em primeira mão para comprovar o título que, tão orgulhosamente, carrega: é mesmo a livraria mais bonita do mundo.

M

13 de Novembro, 2024

Os relógios de Dali

No último mês, tive a oportunidade de mergulhar no mundo surrealista criado por Salvador Dali. 

Tudo começou quando ganhei bilhetes para a exposição "Universo Dali", no WOW, em Gaia. Prometiam apresentar uma "visão intimista" da vida do autor, e eu fui sem saber com o que contar (e, sinceramente, a desconfiar um pouco desta intimidade toda que alegadamente seria partilhada com o visitante).

As expectativas eram neutras, e o resultado foi espetacular - apesar de Dali não ser um dos meus pintores de eleição, o museu cumpriu com o que prometeu e tivemos a oportunidade de conhecer o mundo do artista. Tenho de destacar a exposição de fotografias que mostrava o quotidiano do artista e que foi, para mim, o auge da promessa cumprida: tivemos, de facto, uma visão intimista sobre a vida de Dali.

Duas semanas mais tarde, fui visitar a exposição imersiva na Alfândega do Porto. Como já lá tinha visto outras exibições, as expectativas iam altas - e, ainda assim, conseguiram ser ultrapassadas. 

A cereja no topo do bolo foi a experiência de realidade aumentada, com uns óculos que nos permitiam - quase literalmente - entrar no mundo criado e desenhado por Dali.

Para além da apresentação do portefolio de obras do artista, a exposição continuava num piso superior com painéis informativos que complementavam a experiência de visita. Dali era uma personalidade verdadeiramente multifacetada - interessava-se por ciência, cinema, literatura, física e filosofia, e explorava incessantemente a fronteira entre arte e tecnologia.

1.jpg

É impossível falar de Dali sem recordar os seus icónicos relógios derretidos, presentes em várias das suas obras.

A teoria da relatividade de Einstein veio afirmar que para além das 3 dimensões já conhecidas - altura, largura e profundidade - existe uma quarta: o tempo. Estes relógios surgem precisamente para representar esta dimensão. Nas suas palavras, o "relógio macio apresenta-se como uma expressão profética da fluidez do tempo, da indivisibilidade entre o tempo e o espaço".

Esta forma distorcida e deformada de ver o tempo passar representa a forma única que o tempo passa para cada um de nós. Ao olhar para eles e a pensar em tudo o que significam, veio-me à memória uma frase de Saramago que há tempos li:

Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo.

É curioso como sem nunca ter lido essa frase, os relógios de Dali capturam exatamente esta sensação: a ilusão de que conseguimos, de alguma maneira, contornar o tempo que passa, para conseguirmos passar por ele.

Dali vem-nos mostrar, com estes relógios de aparência líquida, que o tempo não é uma linha reta, mas sim uma realidade maleável que se adapta à nossa perceção e experiência. Em vez de apresentar o dia como um ciclo constante de 24 horas, o artista surrealista vem pintar um relógio que faz o tempo passar como reflexo da nossa própria subjetividade - deixando a quem o vê decidir como é que a passagem do tempo é sentida.

Parece-me que há, de facto, momentos que fazem derreter o relógio: momentos que, contra todas as probabilidades, sobrevivem para sempre e ficam a pairar sobre o fluir inexorável do tempo.

M

08 de Novembro, 2024

Para sempre de mãos dadas #9

Tenho de terminar como comecei: é impossível falar da história da arte sem falar da história da religião, e estas duas dimensões estiveram, durante séculos, e continuam a estar intrinsecamente ligadas - ou, como disse mil vezes ao longo das últimas crónicas: de mãos dadas.

Penso muitas vezes se podemos (ou até, devemos) separar a arte do artista - e continuo convencida de que sim. Uma outra questão completamente diferente é perceber se podemos, ou não, separar a arte do seu contexto. Ora, isso já não me parece tão prudente.

A riqueza da arte nas igrejas encontra-se, na minha perspetiva, precisamente no contexto em que esta está apresentada - e acho que isso é de valorizar. Enquanto os museus tiram a arte do seu enquadramento inicial (muitas vezes, até de forma ilegal, com roubos e furtos), as igrejas expõem a arte no local para que foi pensada e criada.

É importante perceber que a arte não existe num vácuo, e foi projetada num determinado enquadramento que é relevante para a compreender e apreciar.

Vou dizer o que disse poucas vezes na vida - mudei de opinião. Calma, não foi uma mudança drástica (que seria!), mas acho que começo a perceber o porquê das visitas a igrejas serem, muitas vezes, encaradas como visitas a arte - e agora já não julgo (tanto).

Ainda assim, continuo, enquanto católica, a olhar para as igrejas como um local de culto. A diferença é que, depois de tanta pesquisa, entendo que este culto pode, efetivamente, ser potenciado pela arte lá exposta. 

Sem prejuízo da função estética que, atualmente, reconhecemos à arte, essas obras continuam a cumprir a função educativa e utilitária a que se propuseram há tanto tempo. Assim, mesmo quem entra nas igrejas apenas pelo seu conteúdo artístico sai de lá mais rico - não numa vertente de evangelização (como já foi o objetivo), mas numa ótica de conhecimento potenciado por obras que, de uma maneira ou outra, tocam a todos.

Posso confessar que já via e sentia Deus em todas as paisagens incríveis da Natureza - agora, vou começar a reparar Nele, também, na Arte. Mais do que uma visita, entrar numa igreja com arte pode potenciar toda uma vivência espiritual - seja qual for a crença de quem lá vai. 

Durante séculos e séculos a Arte e a Religião andaram de mãos dadas - e assim vão continuar, para sempre

Que sorte temos de poder viver isso!

Igreja de São Francisco no Porto

Igreja de São Francisco, no Porto

Fonte da imagem: https://agendaculturalporto.org/

Espero, sinceramente, que tenham gostado de acompanhar esta pequena coleção tanto como eu gostei de a escrever! É bonito ver o blog a cumprir o que eu me propus a fazer quando o comecei: potenciar a minha criatividade, dinamizar novas conversas e olhar para o que me rodeia com olhos que vêem para além do que lá está.

M

PS: Podem (re)ler toda a coleção aqui :)

06 de Novembro, 2024

Inspiração de mãos dadas #8

Crónica anterior da coleção De mãos dadasJá não de mãos dadas #7

*

Ainda que de maneira diferente da que vimos acontecer na Idade Média ou no Renascimento, atualmente a Arte voltou a encontrar na Religião uma fonte de inspiração. Temas como a Fé e o Divino dão, muitas vezes, o mote para a criação artística.

A procura de respostas para questões universais como o sentido da vida, a mortalidade e a divindade levaram à criação de variadas obras de arte que, apesar de não terem a função utilitária que lhes era reconhecida no século XII, tocam em questões espirituais profundas.

Agora não tanto numa vertente de religião organizada - e já sem a Igreja a ser um grande mecenas de produção artística - é bonito ver como Deus e a Fé continuam a ser um mote para o mundo da Arte. Continuam-se a construir igrejas, escrevem-se poemas, cantam-se músicas e fazem-se pinturas que, de um modo mais ou menos direto, são sempre uma forma de chegar até Ele.

1.png

Excerto da música "Vai"

Ouvir aqui: https://youtu.be/gOQfidAaV7g

Atualmente, em vez de se manifestar através de um modo mais institucional, a espiritualidade encontrou novos canais de expressão artística, carregando uma carga mais introspetiva e subjetiva.

No mundo conteporâneo, a autonomia dada aos artistas para explorar as complexidades da Fé dá-lhes liberdade para abordar o Divino de formas que desafiam as convenções sociais. Pretende-se, assim, mais do que transmitir uma mensagem religiosa, proporcionar uma verdadeira experiência de transcendência e proximidade com Deus (seja qual for o Deus em que acreditamos).

A beleza da arte reside na possibilidade de uma só peça ser vista de mil diferentes maneiras, e cada um tem a possibilidade de olhar para o que tem à frente com as lentes com que escolhe ver o Mundo.

M