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Designing My Dream Life

28 de Outubro, 2024

Já não de mãos dadas #7

Crónica anterior da série De mãos dadas - De mãos dadas, às escondidas #6

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Já de regresso à Religião Católica, vamos recuar até ao período pós-Barroco, que ficou marcado profundamente pelas mudanças culturais e sociais que ocorreram nos séculos XVIII e XIX. Naturalmente, a arte acompanhou a alteração na forma como as pessoas olhavam para o mundo. As representações artísticas perderam o foco religioso e a realidade quotidiana tornou-se fonte de inspiração.

Surge, então, uma nova corrente artística: o Romantismo, que valorizava a emoção, a individualidade e a subjetividade, procurando expressar sentimentos profundos e dramáticos. Neste contexto, a religião como tema foi substituída por uma procura pelo sublime e transcendente na Natureza. 

Em vez de representações concretas de figuras religiosas, o Romantismo explorava a Fé e uma dimensão mais transcendente e sublime através de paisagens selvagens, cenas místicas e representações do sofrimento humano.

Sunset, Eugène Delacroix (French, Charenton-Saint-Maurice 1798–1863 Paris), Pastel on blue laid paper

"Sunset", de Eugène Delacroix

em exposição em Nova Iorque

Fonte da imagem: www.metmuseum.com

Surge, entretanto, o Realismo: uma corrente artística que se focava em pessoas comuns com vidas e trabalhos mundanos. As lentes dos artistas olhavam, essencialmente, para as dificuldades sociais e a vida das classes populares. As obras retratavam a realidade, sem idealizações ou exageros dramáticos, e os temas sociais e políticos, com ênfase no povo, eram a temática central.

Esta documentação das duras condições de vida dos mais pobres não se limitava a uma mera exposição - funcionava, também, como uma crítica social às condições de exploração e desigualdade vigentes na época.

Assim, a arte começou-se a tornar, de modo mais direto, uma forma de intervenção social.

The Faggot Gatherers

"the Faggot Gatherers", de Jean-Francois Millet

em exposição na Escócia

Fonte da imagem: www.nationalgalleries.org

Mais tarde, no século XX, com o surgimento de movimentos como o Modernismo e o Surrealismo, esta vertente da arte como meio de crítica social começou a debruçar-se sobre a Igreja e a Religião.

Salvador Dali, por exemplo, explorava imagens religiosas nas suas pinturas de forma ambígua, fundindo-as com elementos bizarros que pretendiam provocar o espectador a questionar o significado mais profundo da fé.

É curioso perceber como durante séculos a arte e a religião deram as mãos, e pouco tempo depois de as largarem voltaram a encontrar-se - desta vez não como ferramenta de evangelização, mas sim para questionar e criticar as práticas religiosas e da Igreja.

"A visão do inferno em Fátima", de Salvador Dali

em exposição em Gaia, no WOW

Fonte da imagem: Pinterest

Estamos quase a chegar ao fim desta série De mãos dadas, mas antes das conclusões finais vamos ainda conseguir ver como a Arte e a Religião voltam a dar as mãos, ainda que não da mesma maneira que no início.

M

 

Bibliografia consultada:

https://ensina.rtp.pt/explicador/o-romantismo-h67/

https://www.britannica.com/art/Romanticism

https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-19/realismo/

https://artlyst.com/features/salvador-dali-enigma-faith-revd-jonathan-evens/

 

18 de Outubro, 2024

Pelos olhos de um turista

No passado fim-de-semana, com a visita de uma amiga, tive a oportunidade de explorar e descobrir o Porto pelos olhos de um turista. Pensei no que lhe queria mostrar, ouvi o que ela achou e vi todos os outros tantos turistas a passear. Naturalmente, tinha de vir aqui e usar essa experiência como fonte de inspiração.

O tempo prometia de ser chuva, mas sábado de manhã o sol começa a espreitar por entre as nuvens. De manhã, na Foz, um turista começa o dia com calma e tranquilidade com um divertido jogo de mini-golf. Passeia-se junto ao mar e, depois, junto ao rio, e aprecia-se a suavidade com que a temperatura vai aumentando, convidando todos a passar as próximas horas ao ar livre, e cancelar os planos feitos para dentro de 4 paredes.

À tarde, na baixa do Porto, um turista sente a cidade viva e cheia de gente. Vê as ruas com mil lojas de recordações, a agitação e a pressa de quem tem sempre algum sítio para estar. Visita o Mercado do Bolhão, fica encantado com o azeite, o atum e as sardinhas. Bebe um copo de vinho nas escadas enquanto apanha sol e ri-se sem preocupações no peito. Vai até ao Cais de Gaia - porque dizem ser o local com as melhores vistas para o Porto - e tiram-se fotografias ao postal que se tem perante os olhos.

Anda muito, anda a subir e anda no meio da confusão, com a vontade que não se apaga de querer perceber tudo o que o rodeia. Tenta descobrir um pouco sobre a história da cidade com os azulejos de São Bento e prova pasteis de nata, para ver se são tão bons como se diz.

No final do dia, é altura de ir ver o pôr-do-sol ao sítio onde todos os turistas se encontram - o Jardim do Morro.  Há música a tocar, bebidas a serem vendidas e uma multidão reunida para bater palmas ao fenómeno da Natureza que todos os dias acontece e diariamente continua a surpreender.

No dia seguinte, o sol volta a dar um bom dia caloroso, e o turista vai até à beira da praia. Come por lá, bebe uma sangria e deixa que o tempo passe sem passar por ele. À tarde, é altura de visitar o Palácio de Cristal - os pavões de lá são famosos, e as vistas panorâmicas sobre a cidade também. O turista aprecia a calma da Natureza que conseguiu encontrar no meio da metrópole animada, senta-se a ver o rio e pensa em como menos de quarenta e horas bastaram para se apaixonar pela cidade. 

O turista adora o Porto e a sua culinária - come bem, come muito e come com prazer. Recebe os sorrisos calorosos de quem orgulhosamente mostra a sua terra, e deixa-se levar no meio da multidão que vai aos sítios onde ele também quer ir.

É fácil perceber como é que o turista se deixou enamorar pelo Porto. É que o turista não vê as rendas caras, os transportes atrasados ou as ruas com lixo e falta de camiões de limpeza. Mas ainda bem - nós também preferimos que a cidade fique conhecida pelo seu encanto: o sol que acaba sempre por aparecer, as casas bonitas junto ao Douro, as ruas estreitas cheias de história e um centro que ainda vai conseguindo expressar a sua autenticidade.

Quando regressa a casa, o turista leva consigo uma cidade impressionante que o recebeu bem, uma cidade cheia de vida e energia que alegra por quem lá passa. E a verdade é que nós - os não turistas- por vezes esquecemo-nos de olhar para o que nos rodeia com estes olhos - os olhos de um turista que se apaixona pelo postal que tem à frente, a cada virar da esquina.

M

14 de Outubro, 2024

De mãos dadas, às escondidas #6

Crónica anterior da série De mãos dadas - Nem sempre de mãos dadas #5

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Até agora, esta coleção De mãos dadas tem-se focado mais na Religião Católica (por razões de proximidade e conhecimento), mas a verdade é que esta interligação entre religião e arte acontece com diferentes religiões.

Numa ótica semelhante à da Reforma Protestante, existem também outras crenças que mantêm a proibição de representação do divino. Contudo, esta proibição não cortou a necessidade de expressão artística, tornando-se assim curioso perceber de que maneira (menos direta) os povos se referem ao seu Deus.

Foram, então, criadas formas de arte complexas e simbólicas, onde o invisível e o intangível encontrou um modo de ser experimentado, transmitido e sentido.

O Islamismo foi uma destas religiões que proibiu a representação figurativa. Assim, surgiram outras formas de arte, com especial destaque para a caligrafia, a geometria e a arquitetura. Especialmente quando usada para transcrever o Corão, a Caligrafia Islâmica tornou-se uma forma de arte profundamente venerada, que transmitia os ensinamentos de uma maneira visualmente agradável.

Folio from the

Fólio do "Alcorão Azul"

em exposição em Nova Iorque

Fonte da imagem: www.metmuseum.org

Também a construção dos espaços de culto combinava funcionalidade religiosa com um esplendor artístico tamanho a ponto de refletir a grandeza divina. A arquitetura é a forma artística mais expressiva do Islamismo, particularmente as Mesquitas, decoradas com padrões geométricos complexos e repetitivos, refletindo a busca pelo infinito e pelo Divino.

Mesquita de Abu Dhabi, no Dubai

Fonte da imagem: Pinterest

O segundo Mandamento da religião Judaica dita que não haverá outros Deuses além de Yhwh, o que resulta numa proibição de criação artística de imagens para culto. Esta imposição pretende preservar a ideia de que Deus é transcendente, impossibilitando a sua representação numa forma física. Para os judeus, qualquer representação material do divino seria uma limitação à infinitude e omnipresença de Deus.

Assim, tendo em conta esta proibição anicónica, grande parte do esforço artístico judaico foi direcionado para a criação de objetos cerimoniais, os manuscritos iluminados e a decoração das Sinagogas.

Esses objetos e formas de arte, apesar de não representarem diretamente o Divino, foram (e são) concebidos com um profundo simbolismo, elevando a experiência espiritual e fortalecendo a conexão com os textos sagrados e os rituais religiosos. 

Os manuscritos iluminados da Torá são trabalhados com cuidado, refletindo a veneração pela Palavra escrita - o próprio ato de transcrever os textos sagrados é, por si só, uma expressão da devoção.

O uso de vitrais e arte decorativa nas Sinagogas pretende a representação da Fé através da luz e da cor, sem comprometer a proibição anicónica. Os vitrais são decorados com padrões geométricos e símbolos como a Estrela de David e a Menorá, embelezando os espaços de oração sem recorrer a figuras humanas ou divinas.

Sinagoga em Londres

Fonte da imagem: Pinterest

É possível observar que em várias tradições religiosas a ausência de imagens não implicou a ausência da arte, apenas potenciou novas formas de simbolizar o divino. Perceber isto leva-nos a entender como a arte transcende as imagens literais, quase como forçando os crentes a serem mais criativos na sua expressão.  

Na próxima crónica, regressamos à Religião Católica e percebemos em que ponto na História a Arte rompeu - quase definitivamente - com a Igreja.

M

Bibliografia consultada:

https://www.britannica.com/topic/Islam/Islamic-myth-and-legend

https://www.metmuseum.org/toah/hd/orna/hd_orna.htm

https://www.britannica.com/topic/Judaism/Jewish-philosophy