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Designing My Dream Life

19 de Agosto, 2024

Os Cadernos dos Outros

Nada desperta tanto a minha curiosidade como ver alguém num sítio público a escrevinhar no seu caderno. Nem é tanto o conteúdo do que rabiscam que eu tenho interesse em saber, mas mais perceber o que é que viram ou ouviram que os inspirou a tirar o caderno do bolso e pegar na caneta. 

Nos museus, por exemplo, tenho sempre de acalmar o ímpeto de espreitar por cima do obro do visitante que com tanta concentração olha para uma obra de arte e depois a escreve no seu caderno. O que é que viram para além do que estava lá?

Também nos jardins, quando vejo alguém sentado no banco a rabiscar umas palavras ou a esboçar uma paisagem fico sempre com vontade de ir questionar o que os fez querer parar o passeio e abrir o caderno. 

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É fácil perceber esta curiosidade toda - os cadernos dos outros estão cheios de lentes para observar o que nos rodeia de forma até então não vista. Os cadernos dos outros foram preenchidos com detalhes que certamente me passaram despercebidos e  que adorava encontrar. 
Os cadernos dos outros funcionam como um portal para os seus pensamentos e como uma porta para o que se passa realmente.
Acho que todos tínhamos a ganhar se olhássemos para o mundo pelos cadernos dos outros.
Talvez fôssemos finalmente encontrar o que sempre esteve à nossa frente.
M

16 de Agosto, 2024

O ar do campo

Haverá melhor rotina que a que temos no ar do campo? Durante uns dias, temos a oportunidade de desligar o barulho da cidade e conectarmo-nos com o silêncio do campo. Ganhamos mais tempo para estar. Os pormenores assumem o papel principal no espetáculo da nossa visão, e os pensamentos que estavam a tentar esconder-se regressam à superfície com a calma que merecem.

Longe dos bens materiais que ficaram na cidade, trazemos connosco apenas o essencial que conseguimos encaixar, como um puzzle bem feito, na mochila já cheia.

As preocupações não desaparecem por magia - não nos deixemos enganar. Apenas ganham uma nova perspetiva que, se calhar, faz tudo parecer mais pequenino.

Perante o silêncio do campo, somos confrontados com a verdade que andamos a tentar escapar. Ao mesmo tempo que os montes nos convidam a viver o presentes, vem o vento puxar-nos para um momento de reflexão. O que queremos quando temos tempo para pensar? Há alguma coisa fora do sítio que merece a nossa energia a consertar?

O conceito de "viver lentamente" começa a fazer sentido e sente-se esse chamamento enquanto nos deitamos na cama de rede estrategicamente posicionado na sombra.

 

 

Acordar com o sol a entrar pela tenda, sentir o cheiro a campo logo pela manhã. Comer no prato quente a comida acabada de fazer e arranjar água fresca para matar a sede. Encontrar uma sombra fresca no calor da tarde e apreciar o sol a pôr-se. À noite, ver as estrelas e tentar identificar as constelações. Procurar pela lua e pela chuva de meteoritos que anunciaram nas notícias.

No dia seguinte, repetir.

Haverá algo melhor que isto?

M

14 de Agosto, 2024

Inveja Boa

Quando me pedem para descrever o meu estilo de escrita, digo que escrevo o que gostava de ler - mas mais vezes acontece quase o contrário: acabo por ler o que gostava de escrever.

Desde que criei este blog adquiri toda uma nova experiência de visão - no fundo, é como dizer que abri os olhos para o mundo. Comecei a reparar no que lá está para além do que cá está. O que antes era monótono e rotineiro transformou-se em fonte de criatividade. O que outrora eram experiências soltas são agora ideias vertidas no papel e escrutinadas até ao mais ínfimo detalhe nesta busca incessante por inspiração. E o que antigamente lia e passava despercebido tornou-se na fonte de um novo sentimento que ando a experienciar - uma certa inveja das combinações das palavras e frases que alguém fez antes de mim.

Pois é, quando comecei a escrever ganhei uma pequena inveja do que os outros escrevem. Leio-os e penso no quanto gostava de ter sido eu a escrever aquilo primeiro. Como gostava de ter sido eu a pioneira daquela ideia, a inventora daquela melodia de palavras. 

E apesar do sentimento ter um nome feio, gosto de olhar para esta inveja recém descoberta de uma perspetiva que me permite tirar dela o melhor partido. A inveja pode ser um bom sentimento para se ter quando queremos despoletar a inspiração para criar algo verdadeiramente autêntico. É fácil ficar preso nas palavras dos outros, o desafio é conseguir utilizá-las como catapultas para o (difícil) caminho que é encontrar a nossa própria voz. E isto exige um processo moroso de escrever, apagar, reescrever, duvidar, questionar, inspirar, apagar de novo e escrever mais uma vez.

Ao fazer por converter a inveja em inspiração, percebo que a criatividade é um processo coletivo, onde o que vejo e tanto gosto me estimula a querer fazer mais, a querer fazer diferente, a querer questionar e a querer criar.

A verdadeira originalidade, tenho vindo a perceber, não é a criação de algo completamente novo e nunca antes visto, mas sim a re-interpretação e interligação de coisas que já foram feitas, com o cunho dos olhos de alguém que vê isso de uma maneira diferente.

Cada texto que leio alimenta a minha narrativa. Cada obra de arte que conheço convida-me a ver o que vejo de forma diferente. Cada música que ouço faz-me querer desenhar a minha própria melodia.

E sigo assim, a sentir uma inveja bonita da arte que tenho a sorte de me rodear, e a sorrir por saber que isso me faz querer fazer mais. Cada vez mais.

M