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Designing My Dream Life

13 de Março, 2024

Quanto tentar é tudo o que se pode fazer

Definem-se objetivos, delineiam-se planos e luta-se por isso. Faz-se trinta por uma linha e mantém-se o pensamento otimista. Sonha-se alto e cruza-se os dedos. Tenta-se, tenta-se, tenta-se.

Mas a partir de um certo ponto percebe-se que as coisas já fugiram ao seu controlo. E para controlar o que na verdade não se controla, agarra-se a mitos e superstições. Leva-se a crença no determinismo ao extremo, porque isso é mais fácil do que aceitar que se falhou. Diz-se que tudo acontece por um motivo mesmo quando o motivo parece não existir. Pedem-se desejos quando se vê números iguais e repetem-se rituais para dar a sorte querida que parece andar desaparecida.

Quando o controlo já depende do outro, vê-se que até aí tentar era a única coisa que se podia fazer. E fez-se! Não se pode monesprezar isso.

Afinal, se tentar é tudo o que se pode fazer, então será tudo isso que se fará. 

E é nesta tentativa constante que se pode encontrar paz - não num mito qualquer que só diz o que se quer ouvir. A tranquilidade de que tudo se fez encontra-se na resiliência de quem nunca parou de fazer o que se pode: tentar.

M

06 de Março, 2024

A Arte que não percebemos

Quem nunca disse não percebo como é que isto é arte que atire a primeira pedra.

Enquanto que algumas peças são quase unanimemente consideradas obras de arte, outras são mais difíceis de rotular como tal. Normalmente, este sentimento de confusão perante um determinado objeto classificado por alguém como arte é mais comum nos museus de arte contemporânea, em que tudo parece estranho e diferente.

Esta "nova" corrente artística veio desprender-se de todos os padrões anteriormente estabelecidos e assume-se como subjetiva, inovadora e original. Não pretende a representação da realidade e dá mais ênfase ao processo artístico do que à criação final. Visa promover e incentivar a reflexão e o diálogo, e quer romper com antigos paradigmas. Recorrentemente utiliza meios tecnológicos e convida o expectador a uma interação mais profunda que um mero olhar estático para um quadro pendurado na parede.

Muitas vezes, a acompanhar estas estranhas obras de arte existem textos cuidadosamente preparados pelos curadores da exposição que aparentemente pretendem levar o expectador a uma melhor compreensão do que se vê. Há textos que conseguem cumprir a missão a que se propõem, mas há outros que só ajudam à confusão, porque muitas vezes no meio de tantas palavras nada parecem dizer.

A propósito de toda esta questão do que torna algo arte importa recordar o debate filosófico (do qual já falei aqui no blog) que aborda, precisamente, esta questão da definição de algo como sendo, ou não, uma obra de arte. Uma das teorias mais célebres é a teoria institucional, que tenta definir a arte recorrendo ao seu contexto, e não ao objeto em si: x é arte se e só se for um artefacto ao qual foi atribuído, pelo mundo da arte, o estatuto de obra de arte.

Exige-se, então, que determinada peça esteja inserida no mundo da arte - como uma galeria, por exemplo, para ser apreciada como tal. Claro que isto levanta todo um outro problema: quem e com base em que critérios define o que fica dentro e o que fica fora de um museu? Isto parece exigir uma outra definição de arte, que se centre na coisa em si - e voltámos ao início: como é que algo é considerado, afinal, arte?

Acredito que mesmo a arte que não se percebe merece ser vista, visitada e (potencialmente) apreciada - mesmo com todo o desconhecimento com que se pode estar a olhar para ela. Não perco oportunidades para mergulhar nesta área estranha da arte e já visitei museus que se orgulham de guardar as mais prestigiadas obras de arte moderna e contemporânea.

No último fim-de-semana aproveitei a entrada gratuita no Museu de Serralves (que acontece nos primeiros domingos de cada mês) e fui visitar o famoso museu de Arte Contemporânea da cidade do Porto.

O expectável aconteceu: não percebia nada do que ali estava. Ainda assim, gostei muito da experiência como um todo e apesar da incompreensão que senti sobre determinadas peças, senti-me inspirada no meio do que dizem ser tanta arte.

De facto, foi essa ignorância toda que me fez - de novo - refletir sobre o que define, na minha opinião, uma obra de arte. Não consigo apoiar a teoria institucional porque reconheço existir muita boa arte fora das paredes de um edifício a que alguém chamou de museu. Gosto da emoção que se exige transmitir pela teoria expressionista, mas não concordo com a necessidade de intenção do artista nem considero necessária a reciprocidade do sentimento expresso e - depois - recebido. Roubo da teoria formalista a ideia de uma certa emoção - a chamada emoção estética - associada a uma obra de arte, e acho ser exatamente este o cerne da definição

Da minha perspetiva, basta determinada peça fazer uma pessoa sentir essa emoção (seja na forma em que for), que esse objeto já deve ser, aos olhos de todos, encarado como arte. Desse modo, vai ser posto à apreciação do público que poderá, depois, formar a sua opinião sobre se é uma arte que gosta ou desgosta, que percebe ou que não entende. E mesmo que não goste, e ainda que não perceba, o estatuto adquirido de obra de arte nunca é posto em causa - porque alguém sentiu alguma coisa a olhar para isso, e isto basta.

Assim, mesmo a arte que não se percebe deve ser percecionada como arte, porque despoletou um sentimento especial a alguém e está agora à nossa disposição. E mesmo que não se compreenda, é importante lembrar que a arte também pode gerar rejeição. E esta discórdia, na minha opinião, é mais uma coisa boa que traz a arte: a reflexão, a crítica e o debate.

Com isto em mente, foi realmente interessante passear pelos corredores do museu. Viam-se caras de incompreensão e outras de verdadeiro interesse e curiosidade pelo que estava exposto. Pessoas que passavam quase a correr e outras que paravam e tiravam tempo da sua vista para ler e (tentar) perceber o que ali se passava. Uns visitantes que pareciam realmente perceber o  que representava aquilo exposto e outros que se calhar aceitavam o desconhecido e se limitavam a apreciar as peculiares obras de arte.

 

A pequena sala de exposição que guardava a projeção representada última fotografia tinha um texto de curadoria curioso. A sua artista - Trisha Donnelly - prefere que de antemão não sejam dadas explicações, e que cada pessoa tome as suas decisões com as ferramentas que tem. A liberdade do usufruto fica na totalidade do lado de quem observa, e nos seus sentidos.

Isto deixou-me a pensar: a arte contemporânea não veio apenas para romper com padrões já pré-definidos pelas correntes artísticas clássicas, chegou também para desafiar as barreiras da compreensão humana.

M

Outras crónicas que escrevi sobre arte que podem, quem sabe, gostar:

* O Privilégio da Arte Bonita - sobre Arte Bonita que tive a sorte de ver recentemente

* O que faz a Arte - sobre a necessidade de separar a arte do artista

* A mania dos filósofos - sobre as várias tentativas de definição de arte

01 de Março, 2024

O Passeio Final

Já de regresso a Lisboa, numa conversa pela baixa com Ega, Carlos mostra o seu lado epicurista dizendo nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança — nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. 

No meio de críticas  e saudosismos, Ega perde-se em memórias e quando volta ao presente diz já ser tarde.  

Quanto já tudo parece perdido e a vontade é desistir, o vislumbre do elétrico a aproximar-se da estação é o suficiente para reanimar a esperança escondida. Sem dúvida que será preciso algum esforço, mas os dois amigos acreditam que ainda o vão apanhar.

É assim que termina o famoso livro de Eça de Queirós, Os Maias.

A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara. 

E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:

— Ainda o apanhamos!

— Ainda o apanhamos!

De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.

 

Há algo de poético nesta corrida pela rua fora atrás do elétrico. Depois de tanta conversa sobre como uma vida sem desejos nem paixões é o melhor caminho a tomar, a lanterna vermelha do americano despoleta em Carlos e Ega uma vontade interior - como se uma luz dentro deles se acendesse, e lhes dissesse que ainda há esperança.

Este famoso passeio final faz-nos relacionar com os personagens desta crónica de costumes, e faz-nos refletir sobre a condição humana e as suas aparentes contradições. 

Perante a possibilidade de alcançar algo concreto em movimento, Carlos e Ega começam a correr pela rua impulsionados pela esperança que, afinal, existe. 

As páginas finais do romance de Eça vão mais fundo do que as palavras à primeira vista podem parecer, e cada um relaciona-se com elas à sua medida: a corrida desesperada e esperançada pela Rampa de Santos é mais do que o desejo de chegar a horas ao encontro marcado, é o vislumbre da real possibilidade de alcançar algo que outrora parecia fugaz e inatingível.

Esta cena poderosa não só termina a narrativa, como também nos deixa com uma mensagem de alento: o (nosso) elétrico está por aí a chegar e ainda vale a pena correr atrás dele.

M